Nem tudo, meu caro, nem tudo se pode partilhar. A superfície da terra é inalcançável, mas percorrível – conseguiremos assim estar em todo o lado, se invocarmos todos os sítios onde estivemos outrora. Mas a superfície da terra é infinita, e o espaço que ocupamos neste mundo confina-se apenas nuns parcos centímetros cúbicos entre os ossos do nosso crânio. A nossa maior viagem ocorre entre as têmporas. Eis algo que não se partilha. Porque nem tudo se partilha, meu caro, já o disse. Partilhamos aforismos e sabedoria. Partilhamos histórias e ilusões. As mulheres partilham com os homens atraentes a sua linguagem secreta, a sua atenção e os seus sorrisos. Partilhamos alegrias e tristezas, meu caro, pouco mais. Abraços que abraçamos e beijos que beijamos. Partilhamos uma viagem, todas as viagens, toda a nossa vida, mas morremos sós. A terra é tão grande que temos de tentar ocupar os espaços dos outros, preencher os tais centímetros cúbicos dos crânios de quem passa pelas nossas vidas. Por isso viajamos, por isso pagámos as bebidas àquelas mulheres, e por isso discutimos agora o quão grande a terra é, meu caro. Infelizmente, nem tudo se partilha e é por tudo o que se partilha que tenho de continuar. Foi um prazer, meu caro senhor. Mas espero que não me acompanhe.
Emanuel Madalena